domingo, 22 de maio de 2011

Histórias VI

O PRIMEIRO NAMORADO

"Nasceram com uma diferença de dois dias. Cresceram juntos no mesmo prédio, onde eram vizinhos. Ele, ela, foram os primeiros namorados de cada um. Estudaram na mesma escola, na mesma universidade. Depois separaram.se, ele foi acabar os estudos em Inglaterra, ela ficou. O tempo, a distância, encarregaram-se de os afastar e, quando ele regressou, ela já estava casada. Encontraram-se dois meses mais tarde numa festa. Nessa noite, arranjaram alguns minutos para conversar a sós, partilhar recordações. Ele desejou-lhe toda a felicidade do mundo, ela também. Em seguida ela voltou para junto do marido e ele foi procurar a namorada. Em breve, ele partiu novamente para Inglaterra, onde arranjou trabalho num banco e fez carreira.

Nunca mais se viram, nem voltaram a contactar-se, embora, na intimidade dos seus pensamentos se lembrassem sempre um do outro e se perguntassem o que seria feito dele, o que estaria ela a fazer. Ele teve algumas namoradas. Ela teve um filho.

Dez anos  passados, ele deixou o emprego em Londres em troca de uma nova vida em Portugal. Chegou há dois dias apenas e dá com ela, por acaso, à entrada do prédio dos pais. Abraçaram-se, começam a falar, atrasam os compromissos que têm para tomar um café.
Sentam-se numa mesa, ainda a tirar os casacos e já ela quer saber tudo sobre a vida dele. Não casaste?! Espanta-se, sentindo-se secretamente contente por saber isso. Ele sorri, abana a cabeça. Porquê? Ele coça a cabeça, um pouco embaraçado, encolhe os ombros, sei lá, diz, não encontrei ninguém que valesse a pena. Ela põe-se pensativa, nunca te perguntaste como seria se tivéssemos ficado juntos? Claro que sim, responde, mas entretanto casaste, lembras-te? Lembro-me, diz ela, é a sua vez de se sentir embaraçada. E o teu casamento, pergunta-lhe, como vai? Ela baixa os olhos, vai mal, estamos separados, afirma, a dar um tempo, acrescenta, fazendo uma careta engraçada, como quem não acredita no que diz.
Despedem-se na rua, ela tem de ir a correr buscar o filho à escola e leva-lo a casa do pai. Ele ajeita-lhe o cabelo com a ponta dos dedos. Estás igual, diz. Quem me dera, diz ela a rir-se. 
Ele telefona-lhe à noite, falam até esgotarem os saldos dos telemóveis. Depois liga-lhe do telefone de casa para o dela e continuam a conversar até o dia nascer. Queres ir tomar o pequeno-almoço? Convida-a, antes de desligar. Ela diz que sim. 
Encontram-se à porta da pastelaria. Ele abraça-a e, num impulso, beijam-se com uma ternura, uma saudade que nem suspeitavam. Queres mesmo saber porque nunca casei? Pergunta-lhe. Quero. Porque, embora não tivesse consciência disso, estive sempre à tua espera."
Tiago Rebelo in Domingo

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